Aumento de ações trabalhistas relacionadas à Covid-19 tem relação com o desemprego, dizem especialista

 Aumento de ações trabalhistas relacionadas à Covid-19 tem relação com o desemprego, dizem especialista

Reclamações na Justiça do Trabalho relacionados à doença tiveram alta de 527% entre março e abril; advogados alertam que o impacto deve ser ainda maior no longo prazo

 

A pandemia provocada pelo coronavírus já está tendo impactos na Justiça do Trabalho. Segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), apesar de o número total de ações em primeira instância terem diminuído 26% em abril em relação a março, os pedidos relacionados à doença tiveram alta de 527% no mesmo período de comparação.

Advogados trabalhistas apontam que o desemprego está entre as principais razões para o aumento da judicialização durante a pandemia e alertam que o impacto deve ser ainda maior a longo prazo.

Veja os principais motivos para o aumento das ações na Justiça apontados pelos especialistas:

 

  • desemprego
  • pressa por conta do medo de as empresas irem à falência
  • condições de trabalho em meio à pandemia
  • redução de salários
  • suspensão dos contratos de trabalho
  • reconhecimento da Covid-19 como doença ocupacional
  • insegurança jurídica

O país registrou 1.457 ações trabalhistas nas Varas do Trabalho com o assunto Covid-19. Isso significa que processos de trabalhadores pedindo verbas rescisórias, como aviso prévio e multa de 40% do FGTS, estão relacionados à doença causada pelo coronavírus. Em abril, chegaram às Varas do Trabalho 1.107 ações relacionadas à Covid-19. Em março, foram 178 ações.

A expectativa dos advogados é de que o número de ações cresça após o fim da pandemia. “A longo prazo, teremos um aumento significativo na judicialização decorrente da crise causada pelo coronavírus. As relações trabalhistas estão entrando em um aspecto novo, em que os empregadores muitas vezes não estão preparados, atuando de forma negativa, e os empregados, por sua vez, estão atuando com um certo desespero”, prevê Bianca Canzi, advogada trabalhista do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.

Para Ruslan Stuchi, sócio do escritório Stuchi Advogados, há pressa por parte dos trabalhadores que perdem os postos de trabalho por conta do medo de as empresas irem à falência e não arcarem com os direitos trabalhistas. “O fato de não ser possível saber quais empresas permanecerão ativas depois que a pandemia passar faz com que os empregados não esperem muito para abrir novos processos”, opina.

O advogado analisa que o número de ações poderia ser ainda mais alto se a reforma trabalhista não tivesse determinado que a parte perdedora dos processos é responsável por pagar, para os advogados da parte vencedora, os chamados honorários de sucumbência.

“Houve uma queda no número de ações [de forma geral] pelo fato de que ocorre insegurança do trabalhador em entrar com o processo, perder e precisar arcar com altos valores, principalmente nas causas complexas como a de uma doença ocupacional, em que os custos envolvidos são altos”, afirma Stuchi.

Redução de salário e jornada e desemprego

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Segundo balanço do Ministério da Economia em tempo real, até sexta-feira (5), quase 10 milhões de trabalhadores tiveram o contrato suspenso ou corte salarial. O governo instituiu o chamado Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda para atenuar o impacto sobre as empresas e trabalhadores decorrente da desaceleração da economia.

Passou a ser permitido que o empregador suspenda o contrato de trabalho por um prazo de 60 dias ou que faça a redução do salário e da jornada de trabalho de empregados em 25%, 50% ou 70%, no prazo máximo de 90 dias. O programa prevê que a redução salarial deve ser acompanhada da redução proporcional da jornada e que a cobertura dos salários é feita pelo governo por meio do benefício.

O trabalhador possui direito à estabilidade no emprego pelo mesmo período que foi acordado de redução da jornada e do salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, logo após o fim da redução ou do retorno ao trabalho.

Já o número de pedidos de desemprego cresceu 76,2% na primeira quinzena de maio em relação ao mesmo período do ano passado.

Esses dois aspectos, segundo os advogados, contribuem para o aumento das reclamações na Justiça tanto a curto como a longo prazo.

“O aumento no número de processos quase sempre está ligado ao aumento no desemprego, que, neste caso, está relacionado à crise econômica causada pela Covid-19. A pessoa vai atrás da Justiça, via de regra, quando é dispensada. Dificilmente o trabalhador entra com ação contra o seu próprio empregador enquanto trabalha”, afirma Daniel Moreno, advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados.

 

Covid-19 é doença do trabalho

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Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Covid-19 deve ser considerada uma enfermidade vinculada ao trabalho,o que, segundo os advogados, favoreceu trabalhadores de atividades consideradas essenciais e que são expostos de forma constante ao novo vírus e também teve impacto na judicialização.

O professor e advogado Fernando de Almeida Prado, sócio do BFAP Advogados, relata que a pandemia tem motivado não apenas ações individuais. “As ações coletivas, ajuizadas por sindicatos ou pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), buscam condenar as empresas a tomarem consistentes medidas de segurança, a maioria não prevista nas normas trabalhistas”, afirma.

 

Responsabilidade pelas verbas rescisórias

Os advogados trabalhistas informam que algumas empresas, com base no artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), têm buscado passar para os governos municipais e estaduais os custos pela demissão de trabalhadores.

O trecho da legislação trabalhista afirma que “no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”.

Na visão do advogado João Gabriel Lopes, sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, a atual legislação trabalhista não dá guarida à concepção de que o empregador poderia se desresponsabilizar pelo custeio das verbas rescisórias dos trabalhadores demitidos em virtude da crise.

“Não compete ao empregador, por sua própria conta, determinar se a circunstância atual poderia ser enquadrada na hipótese legal do artigo 486 da CLT. O atual quadro de proibição do funcionamento de estabelecimentos empresariais decorre de mandamentos de saúde pública, que têm primazia sobre interesses econômicos. E, ainda que fosse o caso de aplicação do artigo 486, o dispositivo da CLT não determina que o Estado deva pagar diretamente ao trabalhador as suas verbas rescisórias. Nessas circunstâncias, a empresa deve quitar as indenizações devidas e, se entender que foi prejudicada pelas normas dos poderes públicos, buscar judicialmente as reparações que entenda necessárias. Não pode haver uma permissão generalizada para a utilização dessa previsão” afirma.

João Gabriel ressalta que o artigo da CLT não afasta a obrigação de pagamento do aviso prévio, das férias vencidas e proporcionais e do 13º proporcional, mas apenas a multa de 40% sobre o FGTS. “A aplicação desse dispositivo exige muita temperança. O momento é de solidariedade e preocupação com a vida, a saúde e a segurança de todos. Deve-se priorizar o interesse da coletividade e a proteção às partes mais suscetíveis de serem atingidas pela crise”, diz.

Para Daniel Moreno, é pouco provável que o Judiciário transfira o ônus para os governos. “O artigo até dá essa interpretação de certa forma, mas não fala em pandemia e a própria Justiça sabe que o governo não teria condições de arcar com esse custo. A Justiça deve tomar uma decisão mais política do que jurídica”, comenta.

Ruslan Stuchi lembra a importância dos sindicatos na crise. “Sem a supervisão dos mesmos, muitos atos tomados pelas empresas e trabalhadores vêm ocorrendo de forma errada, cabendo assim aos trabalhadores procurarem o Judiciário para que sejam garantidos seus direitos. Os empregadores devem seguir as normas impostas durante esse período e os empregados devem ter conhecimento de seus direitos”, afirma.

Fonte: G1

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