O mundo irá se tornar uberizado?

 

Modelo de negócio criado há pouco mais de dez anos, a Uber se tornou rapidamente um formato copiado em diversas áreas de atendimento a clientes. A empresa criada na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, virou até terminologia — uberização -, mas, ao mesmo tempo em que modernizou a prestação de serviços em todo o mundo, causa ainda muito controvérsia por mexer com relações de trabalho consagradas há muitas décadas.

Como é de conhecimento geral, a Uber oferece um serviço em que conecta, através de um aplicativo móvel, motoristas de veículos a pessoas interessadas em se locomover e também enviar ou receber produtos (o que passou a acontecer após a evolução do sistema). A empresa americana não é proprietária de nenhum veículo e não tem vínculos empregatícios com os condutores de sua plataforma, que são considerados profissionais autônomos e isso foi um dos fundamentos para potencializar seu crescimento.

Atualmente, tem sido contestado o modelo aplicado pela Uber e outras empresas que vieram na sequência, sendo tema de discussões trabalhistas nos diversos países em que esse tipo de negócio está presente. Nos últimos anos, muitos motoristas parceiros da Uber e semelhantes entraram na justiça pedindo reconhecimento de vínculo de trabalho com essas empresas, solicitando o pagamento de direitos trabalhistas, além de contribuições previdenciárias para uma futura aposentadoria e beneficiar-se do seguro que o recolhimento previdenciário proporciona.

Recentemente, as cortes federais da Espanha e do Reino Unido reconheceram a relação de trabalho, enquanto que decisões no estado da Califórnia (EUA) e no Brasil mantiveram os colaboradores como autônomos.

No caso do Reino Unido, houve uma decisão da Suprema Corte em favor de um pequeno grupo solicitante, concedendo vários direitos trabalhistas, o que levou à possibilidade de que os

7O mil motoristas de Uber do país pudessem pleitear os mesmos benefícios. A empresa no Ge- americana decidiu não contestar a decisão e redesenhou seu projeto estratégico para o país, estendendo os direitos conquistados pelo grupo menor a todos os seus colaboradores.

O Supremo Tribunal da Espanha reconheceu a relação de trabalho em aplicativos de transporte, e o governo espanhol também criou uma legislação para fiscalizar as relações entre os empregadores e seus funcionários que utilizam plataformas digitais. Dessa forma, as empresas da Gig Economy serão obrigadas a passar para o Ministério do Trabalho todas as suas informações algorítmicas, numéricas e matemáticas. A intenção é verificar se trabalhadores que exercem seus direitos — denunciando irregularidades, questionando a empresa ou fazendo greve — estão sendo respeitados, recebendo as mesmas oportunidades que os demais e não sofrendo algum tipo de retaliação.

Essa primeira legislação deve começar a ser estudada e pode influenciar as decisões sobre o tema nos demais países da União Europeia, podendo refletir em outros países, como nos Estados Unidos e na América Latina, que, mesmo considerando o serviço como autônomo, podem começar a fiscalizar ou exigir documentações para avaliar e validar as condutas das empresas.

Na Califórnia, foi aprovada, no final de 2020, uma proposta que reconhece como autônomos os motoristas de Uber e de outros aplicativos, garantindo a eles alguns benefícios como seguro contra acidentes, subsídios de saúde e pagamento mínimo em corridas.

Já no Brasil, quatro julgamentos realizados a partir de 2019, tanto pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) como pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), desconsideraram que há relações trabalhistas existentes entre empresas como Uber e iFood e seus motoristas e entregadores, negando a esses últimos direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Segundo o ministro Breno Medeiros, da 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho da 2ª Região de São Paulo (TRT-2), relator de uma das ações julgadas, “os motoristas que utilizam a plataforma Uber para trabalhar, tem total autonomia e flexibilidade, escolhendo os dias e horários que trabalham, retirando assim o vínculo empregatício”. Já a desembargadora Maria de Lourdes Antônio, em julgamento de ação pela 17ª Turma do TRT-z, relatou que a Uber “não é uma empresa de transportes, mas sim uma plataforma que conecta usuários e motoristas”.

Como se pode perceber, não existe um caminho definitivo sobre a questão, que vai depender sempre do entendimento e dos procedimentos de cada país. Mas a Uber e demais empresas semelhantes vão continuar investindo milhões para que o serviço de motoristas e entregadores sejam considerados autônomos, seguindo os conceitos de Gig Economy, no qual todos devem ter liberdade para prestar serviços, trabalhar e conseguir seus rendimentos.

 Fato é que, com a tecnologia cada vez mais presente em todos as áreas, irão sempre surgir novas metodologias para facilitar o contato mais direto entre empresas fornecedoras de serviços e consumidores. Além de baratear os custos e trazer economia para os clientes, os novos formatos podem evitar processos muitas vezes burocráticos e desnecessários, possibilitando mais mobilidade e rapidez às negociações.

Hoje, uma boa parte da cadeia de logística para entrega de mercadorias está baseada em sistemas de aplicativos, utilizando o conceito inaugurado pela Uber. É um caminho sem volta. Dessa forma, são necessárias adaptações a essa nova realidade, respeitando as legislações e cultura de cada local, mas sempre buscando uma forma de não travar o desenvolvimento.

*Cristiano Baralho é advogado e consultor jurídico, sócio fundador do escritório Cristiano José Baratto & Advogados Associados. Atua na área do Direito Empresarial com foco nos setores de Transportes, Mobilidade e Logística e preside o Instituto de Estudos de Transporte e Logística (IET)